Tentativas de feminicídio nas primeiras horas do ano reforçam a importância de se coibir esse tipo de crime para evitar mortes. Características dos delitos dificultam a prevenção, que passa não só pela denúncia, mas também por conscientização da sociedade.
“Levei quatro facadas na frente da minha filha quando tentava terminar meu casamento.
Não senti dor, só vi o sangue escorrer pela minha roupa. Quando me levantei e olhei no espelho é que tudo veio à tona. A faca estava cravada na minha cabeça. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que nasci de novo.”
Esse é o relato emocionado de Fernanda*, 27 anos. A jovem foi uma das 54 vítimas de tentativa de feminicídio registradas entre janeiro e novembro do ano passado pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF).
O início do relacionamento entre ela e Maurício* foi marcado por momentos de carinho, afeto e troca de confidências. Não demorou para que se casassem na igreja e, assim, construíssem uma família. No primeiro ano sob o mesmo teto, os sinais de um relacionamento abusivo surgiram. Sentimentos de posse e restrição do contato da vítima com amigos e familiares.
Por quatro anos, Fernanda conviveu com privações, humilhações e agressões. Os dois filhos do casal, uma menina de 3 anos e um menino de 2, presenciavam a violência. “Estava cansada de tudo o que estava passando. Então, no fim de 2019, eu decidi sair de casa e tentar a vida em Alto Paraíso (GO), com meus filhos. Mas, em fevereiro passado, consegui vaga na creche pública do DF para as crianças, e decidi retornar”, conta.
Fernanda conseguiu emprego e seguiu morando com a família. Maurício se aproximou, com o pretexto de ver os filhos. Aos poucos, convenceu a jovem a voltar para a casa do casal. “Ele disse para irmos à igreja juntos e, ali, um pastor disse que Deus traria a restauração do nosso casamento, e eu acreditei. Ao voltar, descobri que ele e o pastor eram amigos, e que tinha sido enganada, mas decidi continuar com o Maurício”, relata.
No início da pandemia, em março, Maurício perdeu o emprego como açougueiro e o salário de Fernanda, de operadora de caixa, passou a ser a única renda da família.
“Só por isso ele me deixava trabalhar. Mas me levava e buscava todos os dias.
Os abusos foram piorando. Ele escondia meus documentos e me obrigava a manter relações sexuais. Toda a violência passou a refletir no meu trabalho, e minhas colegas começaram a me dar força para sair do casamento”, relembra.