O embaixador José Alfredo Graça Lima, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia que o conflito comercial poderia ter sido evitado. "As economias são perfeitamente complementares. Não tinham que passar por nenhuma crise, como esta, que foi engendrada mais por razões políticas do que comerciais", afirmou o diplomata, que já comandou os consulados brasileiros em Nova York e Los Angeles.
Mesmo mantendo apoio público às tarifas, Donald Trump enfrenta um cenário de pressão crescente. Dados do Bureau of Labor Statistics mostram que o preço médio do café ao consumidor registrou queda de 0,1% em setembro, mas apenas após altas expressivas de 3,6% em agosto e 2,3% em julho. A inflação do setor como um todo atingiu 0,3% no mês. A carne bovina seguiu a mesma tendência, com avanço de 1,2% em setembro, após aumentos de 2,7% em agosto e 1,5% em julho.
Café expõe a interdependência entre as duas economias
O mercado de café é o exemplo mais visível dessa dependência mútua: os Estados Unidos são o maior consumidor global, enquanto o Brasil lidera a produção e exportação. Antes da sobretaxa de 40%, que passou a valer em agosto, cerca de um terço do café consumido pelos americanos vinha dos produtores brasileiros.
Graça Lima afirma que a medida não deveria ter atingido o setor. “Nunca entendi porque não teve exceção para o café”, disse, lembrando que a lista de produtos isentos anunciada pela Casa Branca excluiu o grão brasileiro, crucial para o abastecimento americano.
O fluxo comercial interrompido provocou um efeito dominó. Segundo o Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), blends sem café brasileiro já começam a aparecer no mercado dos EUA, gerando preocupação entre produtores.
Mas os números do índice de preços ao consumidor americano indicam que substituir o produto nacional não será tarefa simples para as torrefadoras.
Diversificação reduz impacto sobre o Brasil
A posição de destaque global do Brasil no mercado de commodities possibilita readequação relativamente rápida. Um levantamento do Valor Econômico revela que exportadores brasileiros têm encontrado novos destinos para os produtos atingidos pela sobretaxa. Entre agosto e outubro, as vendas de 1.503 itens não isentos somaram US$ 3,8 bilhões aos EUA, queda de 29% na comparação anual. Por outro lado, os embarques dos mesmos produtos para outros países cresceram 20% e alcançaram US$ 18,2 bilhões.O Indicador de Comércio Exterior (Icomex), elaborado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), confirma esse movimento. Em outubro, o volume exportado para os Estados Unidos caiu 35,9%, enquanto as vendas para a China avançaram 32,8%. O apetite chinês por matérias-primas, reforça a FGV, tem amparado o comércio internacional como um todo.
Para Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), a leitura dos dados reforça a impressão de que o tarifaço não provocou o estrago temido. Alguns setores específicos, como o de mel e o de madeira, enfrentam perdas relevantes. No geral, porém, a capacidade brasileira de redirecionar produtos tem amenizado o choque.
Cenário fortalece Brasil em negociações futuras
No fim de outubro, Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniram na Malásia para discutir a escalada tarifária. Com o impacto interno dos EUA cada vez mais evidente e o Brasil mostrando resiliência, analistas acreditam que o país chega às conversas em posição mais favorável.
“Temos uma margem a mais.
Vamos para a mesa de negociações sem estar com a corda no pescoço”, avaliou Lia Valls, ao destacar que o fortalecimento das vendas para a China e outros mercados reduz a dependência brasileira das decisões tomadas em Washington.