Em seu primeiro encontro com Joe Biden desde que o americano chegou ao poder, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL) repetiu o discurso de defesa da soberania da Amazônia, criticou a política do "fique em casa" para o combate à pandemia e disse que pretende terminar seu governo de modo democrático.
Ele pediu por eleições limpas, confiáveis e auditáveis. "Para que não sobre nenhuma dúvida depois sobre o pleito. Tenho certeza que ele será realizado nesse espírito democrático. Cheguei [ao poder] pela democracia e tenho certeza de que quando deixar o governo também será de forma democrática", afirmou.
Os dois presidentes se reuniram pela primeira vez nesta quinta-feira (9), depois de um ano e meio de uma relação distante, em que houve trocas de farpas, críticas diretas por parte do brasileiro, mas nem sequer um telefonema. A reunião começou por volta de 16h (20h em Brasília), em um pavilhão de exposições em Los Angeles, onde se realiza a nona edição da Cúpula das Américas.
"Foi muito melhor do que eu esperava", afirmou Bolsonaro, ao voltar para o hotel em que está hospedado. "O que eu falei, e eu falei bem mais que ele, ele concordou."
Nas palavras iniciais, Biden fez elogios ao Brasil ao falar em "interesses comuns". Disse que o país tem uma democracia vibrante, com instituições eleitorais robustas, e que tem feito um bom trabalho para proteger a Amazônia. "Vocês têm feito grandes sacrifícios reais na forma como tentam proteger a Amazônia, o grande sumidouro de carbono do mundo. Acho que o resto do mundo deveria participar ajudando vocês a financiar isso, para que sejam capazes de preservar o máximo que puderem. Todos nós nos beneficiamos disso", disse.
Bolsonaro já criticou líderes que fizeram falas semelhantes, trazendo à tona o conceito de soberania sobre o território. Ao americano, repisou o termo. "A nossa Amazônia tem riquezas incalculáveis. Por vezes, nos sentimos ameaçados em nossa soberania naquela área, mas o Brasil preserva muito bem seu território."
O brasileiro chamou Biden de "prezado companheiro" ao concluir sua fala. "Em alguns momentos nos afastamos por questões ideológicas, mas, com nossa chegada ao governo, nunca tivemos afinidades tão grandes", ressaltou, repetindo posição que foi frequente durante o mandato de Donald Trump.
A Folha foi um dos veículos que puderam acompanhar o início do encontro. Todos das comitivas estavam de máscara, exceto os presidentes. Biden e Bolsonaro se sentaram a cerca de dois metros de distância e se olharam pouco —o brasileiro discursou por mais tempo e buscou justificar posições como a postura adotada na Guerra da Ucrânia.
"Sempre adotamos posição de equilíbrio. Queremos a paz, lamentamos os conflitos, mas tenho um país para administrar e, por suas dependências, temos de ser cautelosos", disse, em referência à importação de fertilizantes. "Estamos à disposição para colaborar para uma construção de uma saída desse episódio. Defendemos, torcemos e oramos para que saiamos o mais rapidamente dessa situação."
Bolsonaro e Biden não responderam a perguntas. Em seguida, a conversa seguiu a portas fechadas. Participantes da reunião contaram, de modo reservado, que ao todo o encontro durou em torno de 50 minutos: 10 com falas abertas à imprensa, cerca de 15 com assessores dos dois lados e o restante em uma conversa privada, pedida pelo brasileiro —o que não estava previsto.
Nela, ficaram na sala só os presidentes, tradutores, o chanceler Carlos França e o secretário de Estado, Antony Blinken. Integrantes do governo afirmam que houve avanços em projetos de parcerias econômicas em áreas como o uso de hidrogênio como combustível e energia eólica. O governo americano quer fomentar novos investimentos em energias limpas e colocou isso como prioridade da cúpula.
Segundo outro participante da reunião, não houve pedidos na primeira parte da conversa para que o Brasil se alinhasse aos EUA no posicionamento mais firme contra a Rússia nem menção ao desaparecimento do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira. Ele chamou o encontro de bastante diplomático.
Antes de falar com Biden, Bolsonaro teve conversas informais com o peruano Pedro Castillo e Alberto Fernández em meio à plenária —a conversa com o líder argentino incluiu a possibilidade de parceria entre os dois países para explorar as reservas de gás na região de Vaca Muerta com participação da Petrobras.
À noite, o brasileiro não foi a um jantar de líderes do continente, que tem Biden como anfitrião. Membros da comitiva comentaram que o presidente estava cansado da viagem e prepararia sua fala para a plenária desta sexta. Ele também terá reuniões bilaterais com os presidentes Iván Duque, da Colômbia, e Guillermo Lasso, do Equador.
Mais cedo, o presidente brasileiro disse a jornalistas que estava tranquilo e que pretendia usar a reunião com o americano para fortalecer a relação. Segundo ele, sua proximidade com o ex-presidente Donald Trump ficou para trás. "Não vim aqui tratar desse assunto. Já é um passado. O presidente agora é Joe Biden, é com ele que eu converso", afirmou Bolsonaro, na saída do hotel.
De acordo com um integrante da comitiva brasileira, os principais temas debatidos foram clima, democracia e meio ambiente. Bolsonaro também pediu a Biden para rever a questão de tarifas extras sobre o aço; o americano ficou de analisar melhor o assunto. Em 2018, no governo Trump, os EUA criaram uma sobretaxa de 25% ao aço importado, na chamada Seção 232. O Brasil, entre outros países, obteve uma cota de exportação livre da cobrança e agora pleiteia que ela seja ampliada, extinta ou que o país pague uma alíquota menor.
Ele se diz fã de Trump, derrotado por Biden nas eleições de 2020. Na época, declarou apoio ao republicano e depois chegou a colocar em dúvida a vitória do democrata, ecoando o discurso fantasioso de que o pleito teria sido fraudado.
Biden aceitou se reunir com Bolsonaro como forma de convencê-lo a viajar para a Cúpula das Américas, evento que corria risco de ficar esvaziado. Oito chefes de Estado decidiram boicotar o encontro em resposta à decisão dos EUA de não convidar os regimes de Cuba, Nicarágua e Venezuela, ditaduras tidas como párias por Washington.
Nesta quinta, o tema foi trazido à tona nos discursos de ao menos dois líderes na plenária. "Ser o país anfitrião não concede a capacidade de impor um direito de admissão aos países-membros do continente", disse Fernández, persuadido a comparecer após um telefonema de Biden. O premiê de Belize, Johnny Briceño, classificou de indesculpável o fato de os três países não terem sido chamados e chamou as sanções americanas a Cuba de "crime contra a humanidade".
"Apesar de algumas divergências relacionadas à participação, em questões substantivas o que ouvi foi quase unidade e uniformidade", disse Biden mais tarde, citando os temas da migração e do combate à crise climática.
Na abertura oficial do evento, nesta quarta, ele havia ressaltado a importância de defender a democracia e os direitos humanos.
Bolsonaro desembarcou em Los Angeles na manhã desta quinta (9). Ao chegar ao hotel, cumprimentou um pequeno grupo de apoiadoras, chamado Vovós Poderosas de Las Vegas, que viajaram para conhecê-lo. Horas mais tarde, conversou com elas por cerca de meia hora, no saguão do hotel.
"Rezamos todos os dias para que o presidente possa dar conta de seus desafios. Torcemos muito por ele", disse Suzana Fortes, 66, uma das integrantes do grupo e há 35 anos nos EUA.
O presidente brasileiro fica em Los Angeles até sexta. Em seguida, viaja para Orlando, onde inaugurará um vice-consulado do Brasil na cidade e terá encontros com apoiadores.
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